O novo Papa deve ser europeu, mais jovem do que o papa Bento XVI quando assumiu o cargo e ter uma relação maior com a tecnologia, aprofundando a participação do Vaticano e do pontificado na Internet e nas redes sociais, avaliam teólogos ouvidos pelo G1.
Especialistas em religião apontam que dificilmente um Papa latino-americano – fato que nunca aconteceu na história do Vaticano – será escolhido, devido à origem dos cardeais aptos a escolher o novo pontífice, boa parte deles europeus. Alguns apontam, no entanto, achar significativa e mais provável a ideia de ter um africano ou indiano no cargo.
“Acho que não é possível termos um Papa latino-americano. Acredito que vá ser um italiano ou de outro país um europeu, até pela origem e configuração dos cardeais. A maioria dos que formarão o conclave são europeus. Não vejo outro caminho nesse momento. Esse é um dado objetivo”, afirma o professor de teologia da PUC-SP, Eulálio Avelino Figueira.
Para Fernando Altemeyer, professor de teologia da PUC-SP e de instituições como o Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), a tendência é que se confirme um europeu no cargo. “Há um conjunto grande de cardeais da Alemanha, da Hungria e da França, além da própria Itália, aptos a votar”, avalia.
Dificilmente será uma gestão de mudança, na visão de Altemeyer. Ele afirma que o novo papa não vai alterar posições da Igreja Católica quanto ao uso de contraceptivos, camisinha, aborto, celibato ou casamento homossexual, por exemplo.
“Questões menores, como estilo de roupa, organização interna da Igreja, são mais simples de alterar. Questões de moral, que envolvam valores centrais, não serão modificadas”, pondera.
Altemeyer ressalta, no entanto, que a eleição de um papa africano seria positivo e algo novo para o catolicismo. “Teríamos um cenário totalmente distinto de preocupações culturais, sociais, questões a serem tocadas. A África é um grande desafio”, diz ele.
‘Juventude’
Para o professor da PUC-SP, o mais provável é que o novo papa seja relativamente jovem em comparação com Bento XVI, que assumiu o cargo com 78 anos, em 2005, e vai deixá-lo com 85 anos. “Acredito que o novo pontífice vai estar entre 60 e 70 anos, dentro desse perfil”, diz.
O mais novo cardeal apto a disputar o cargo tem 53 anos, o arcebispo indiano Baselios Cleemis Thottunkal, afirma Altemeyer. Na sequência está o arcebispo de Manila, nas Filipinas, Luis Antônio Gokim Tagle, com 55 anos.
Mas idade não é o único componente na escolha de um papa, pondera o professor da PUC-SP. Questões como fluência de idiomas, opiniões e capacidade de investir forças naquilo que os cardeais vão definir como “plataforma” do pontífice, entre outros fatores, também serão avaliados.
O atual papa, Bento XVI, foi um dos mais idosos a assumir a função. Ele argumentou, no comunicado sobre sua renúncia, que deixaria o papado justamente por sua idade avançada e por “não ter mais forças” para exercer as obrigações do cargo.
Desafios
Doutora em sociologia na França, autora de uma tese sobre o papel das mulheres no catolicismo brasileiro e nas Comunidades Eclesiais de Base, Maria José Rosado-Nunes considera haver dois tipos de desafios para o novo papa: com relação às questões internas da Igreja Católica, e outros externos à instituição.
Internamente, diz ela, ocorreram escândalos financeiros e outros, por conta de casos de pedofilia que teriam sido cometidos por membros da Igreja, que não foram resolvidos de forma satisfatória na gestão de Bento XVI.
“Existem processos judiciais inclusive contra o pontífice e outros altos membros da Igreja, por de alguma forma terem sido coniventes com os crimes”, avalia a pesquisadora. O novo Papa poderia elucidar estes casos, na avaliação dela.
Conciliar a disputa entre correntes conservadoras e outras de pensamento mais liberal também é um desafio ao novo pontífice, avalia Rosado-Nunes, que é professora da de ciência da religião na Universidade Metodista e na PUC-SP.
Externamente, a Igreja Católica sofreu perda de legitimidade e liderança, em grande parte devido aos escândalos recentes, diz a professora. “Por outro lado, há perda significativa de fiéis, mais recentemente na América Latina, mas também nos EUA e na Europa. Na medida em que diminui o número de fiéis, a Igreja perde força como referência religiosa do Ocidente”, afirma Rosado-Nunes.
Eulálio Figueira tem outro ponto de vista. “Não acho que o crescimento das igrejas evangélicas é um desafio ao catolicismo, até porque o trânsito de fiéis dessas igrejas costuma ocorrer mais entre elas”, diz.
Ele avalia que a perda de fieis “não vai ser uma preocupação tão grande para o novo papa”. Para Figueira, o novo pontífice vai ter que lidar mais com as demandas da sociedade moderna, como o aborto e o uso da camisinha, mesmo que seja para manter uma posição conservadora.
“Bento XVI foi extremamente capaz e muito inteligente, mas colocou estas questões em um ‘standby’, fugiu destas questões”, pondera o professor. Ele reflete que o novo papa mais cedo ou mais tarde terá que enfrentar os temas espinhosos.
“Um perfil como o de João Paulo II, mais carismático e mais estadista, pode ser preferível [para ser papa]”, considera o professor da PUC-SP. Para Figueira, o atual pontífice fez um esforço para ficar mais próximo dos fiéis, mas era de sua personalidade “ser mais introspectivo, mais voltado para os estudos”.
Uso da internet
Eulálio Figueira considera que o uso de redes sociais e internet pelo Vaticano vai se aprofundar com o próximo papa, até como meio de se aproximar dos fiéis e defender valores da Igreja.
“Não tenho a mínima dúvida disso. Não acho que essas coisas são vistas como não utilizáveis ou retrógradas pela Igreja Católica. A religião nunca se negou e inclusive foi pioneira, em muitas épocas, no uso de ferramentas tecnológicas”, disse.
A professora Rosado-Nunes concorda que é possível que a Igreja se aprofunde no uso de tecnologia, com o novo papa. “Não há nada na forma como a Igreja é gerida que a impeça de investir nisso. Quando o rádio era o instrumento de comunicação por excelência, a Igreja investiu fortemente. Ela nunca deixou de usar a tecnologia”, pondera.
“É um ambiente novo e a Igreja deve estar nele, a cultura passa por aí”, completa Altemeyer. Ele acredita que o papa vai manter e ampliar este vínculo com as redes sociais, como Twitter. O perfil de Bento XVI já tem 1,52 milhão de seguidores na rede social.
No Facebook, páginas não-oficiais e de fãs do papa foram “curtidas” mais de 70,9 mil vezes, se somadas.
O papa tem um perfil intelectual, que reflete sobre problemas teológicos do mundo, e cultiva o costume de escrever os textos à mão, afirmam teólogos. “Mas ele se adaptou rapidamente [à internet]”, considera Altemeyer. “Acredito que isso não é um problema nem para ele, nem para o novo Papa.”
Assuntos: Papa Bento XVI