Acendem-se as luzes, o sol vai nascer em outro lugar… Agora me deparo com as luzes da cidade, pessoas voltando para casa, com sacos, bolsas, sacolas… Passos apressados, provisões e procissões de um dia que se foi, contido na esperança de um outro que pode ou não vir a ser.
Pelas ruas da cidade, pessoas como formigas enfileiradas levam consigo “antenadas” não apenas as provisões, mas a precaução do inverno frio que se aproxima. O que se revela ao sentir nesse quadro é que de fato o pior frio desse inverno é infinitamente maior quando esse vem acompanhado da indiferença de cigarras barulhentas, que apenas estão de lá para cá sem nem perceberem que o frio se aproxima cada vez mais de suas duras cascas.
Homens formigas, operários em busca do pão; homens cigarras, poder na voz que encanta, mas que nada canta, apenas prosas. Apenas circo e o pão? Não precisam correr atrás, as formigas já fazem sua mais valia… É assim o poder no poder: um bando de cigarras barulhentas que esquecem de que as formigas trabalham e que apenas pão e circo não basta para ser feliz!
Entre passos e olhadelas ao derredor se fazem notar semblantes, olhares, gestos que iluminam a cidade: uma senhora ajuda outra a subir para o ônibus, um velhinho de nome sabiá (quem tiver ouvidos para ouvir que ouça) oferece um cafezinho a um outro que troca conversas em sua barraquinha. O curioso é observar um rapaz que há muitos anos sofreu um distúrbio neurológico e hoje assume a posição de fiscal dos ônibus de uma da linhas sem concorrência da cidade; é curioso vê-lo feliz desempenhando um papel com tanto realismo que quem não observar bem pensará: “que fiscal eficiente!”. É isso aí, a vida tão simples é boa…
Lembro o velho Luís, pérola de nossa música nordestina, que tem coisa que pra mode vê, o cristão tem que andar a pé. Aqui estou a pé e de pé voltando como todas as formigas para casa, ora sorrindo, ora dizendo oi, ora apenas passando pelo outro, mas que bom! Há um outro na rua, no ônibus, no mercado, na esquina! Há um Outro!
Os faróis ofuscam minha visão ao tentar atravessar a avenida, lembro a da faixa e, embora a minha consciência diga ser mais segura, teimo em correr entre os carros arriscando o único bem que tenho realmente por aqui e lembro de que preciso de reeducar meus hábitos.
Puxa vida! Sempre aprendendo a aprender, sempre retomando conceitos e reformulando-os, apenas com um objetivo, tornar-me um ser humano melhor (Uma formiga?), não um ser humano! Eis a grande diferença, sou pessoa, e quanto as formiga é apenas forma de expressar o grande batalhão que não conhece a força que tem. Ah! As cigarras! Claro! Quantas estão ao nosso redor a cada entardecer nos convencendo de que pode chover, mas que elas estão ali para nos alegrar a existência. Pôxa, a quem poderíamos comparar tais tutores?
Assim, divagando na noite iluminada pelos faróis e pelos olhos de tantos como eu, sigo meu caminho de volta para casa após tantos encontros e vou relembrando uma citação de Martin Buber:”O ser humano se torna eu pela relação com o você, à medida que me torno eu, digo você. Todo viver real é encontro. Tenho casa! Uau! Tenho casa! O melhor de tudo isso é que ela é um lar e não uma pensão. Sim, há luzes por lá, como também há noite, momentos tão únicos e tão nossos. Ah! O outro… Esse aí do seu lado, esse aqui do meu, que nesse instante está chegando do trabalho ou não. Esse sim é o espelho mais autêntico que os dias me revelam: Eu o olho, mas será que de fato o vejo?
Espelho, espelho meu, quem sou eu? E quem de fato é o Outro de todos os meus dias?
Cansado, fecho os meus olhos, luzes dizem de minha alma e adormeço… Quem sabe amanhã eu continue minhas reflexões no cotidiano da polis.
Assuntos: Celuy Araújo
Parabéns! pelo texto muito bom tudo isso e verdade muito massaaaaaaaa !!! bjs