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Eutanásia: qual é a hora de morrer?

15 / jun / 2012

Nesta última reportagem especial sobre assuntos relacionados à bioética, o tema em questão é a eutanásia. Se por um lado defende-se essa prática por ela abreviar o sofrimento de um doente em estado terminal, por outro os contrários a ela argumentam que, com doença ou não, trata-se de uma vida que não pode ser tirada.

As primeiras discussões sobre eutanásia surgiram com os ingleses por volta de 1900. O atual capelão do Hospital das Clínicas em São Paulo, padre Anísio Baldessin, explicou que, nesta época, avaliava-se mais a questão do custo-benefício em manter um doente. Já na sociedade atual, a prática assume outra conotação.

“A conotação que a eutanásia assume hoje é de solucionar um problema, porém seria solucionar o problema de quem: da pessoa ou da sociedade?”, disse. O padre comentou ainda a diferença entre eutanásia, distanásia, ortotanásia e suicídio assistido, além de deixar um conselho para as famílias de doentes em estado terminal. Veja abaixo a íntegra da entrevista:

noticias.cancaonova.com – Desde quando existe a polêmica em torno da eutanásia e como ela foi sendo compreendida ao longo do tempo?

Pe. Anísio Baldessim– A eutanásia começa a ser discutida pelos ingleses por volta de 1900, em que se tinha a questão da Teoria da Evolução, de Darwin. Ele acreditava que abreviar a vida das pessoas que eram consideradas inúteis, ou seja, que não tinham uma perspectiva de colaboração para a sociedade, era benéfico para a sociedade. Alguns apoiavam, outros se questionavam se quem era inútil era a pessoa ou a sociedade. Então podemos dizer que, no começo, foi mais relacionado à questão de custo-benefício; era visto como se isso fosse proporcionar um bem para a sociedade, uma vez que não traria custos, ou seja, se a pessoa não pode produzir como é que a sociedade vai ter que arcar com os custos que essa pessoa produz? Hoje, para nós, isso veio à tona, em se tratando de hospitais e de questões de doenças, com o advento das Unidades de Tratamentos Intensivos (UTIs), a partir da década de 1950, em que a tecnologia começou a prolongar a vida. A conotação que a eutanásia assume hoje é de solucionar um problema, porém seria solucionar o problema de quem: da pessoa ou da sociedade? É o que se discute hoje.

noticias.cancaonova.com –  Os pesquisadores utilizam também os termos distanásia e ortotanásia para determinar o fim da vida no caso de doentes terminais. Alguma dessas práticas é considerada correta sob o ponto de vista da bioética?

Pe. Anísio – Distanásia é o contrário da eutanásia. Eutanásia é tomar uma atitude que venha abreviar o sofrimento da pessoa. A distanásia é o prolongamento, seriam as chamadas “terapias inúteis”, que não vão proporcionar bem estar algum às pessoas e isso também é questionável. Aliás, hoje o que se discute muito é o que se pratica nos hospitais: a eutanásia ou a distanásia? Com o advento da tecnologia, o que se prolonga hoje é o sofrimento, e isso é decorrente do novo processo do morrer. Então hoje o que a gente percebe na nossa realidade é mais a distanásia do que propriamente a eutanásia. Falando num contexto bioético, o que seria correto é a ortotanásia, ou seja, a morte no momento certo. É preciso distinguir sim entre eutanásia e distanásia. Distanásia seria prolongar a vida de maneira indeterminada com sofrimentos e a ortotanásia seria não prolongar e nem abreviar, mas saber a hora certa. O grande desafio, e isso é o que os bioeticistas discutem, é qual é o momento certo de parar, existe esse momento? Na visão bioética, o correto seria nem a eutanásia nem a distanásia, mas sim a ortotanásia, a morte tranquila, sem sofrimento, sem abreviar e também sem prolongar deliberadamente.

noticias.cancaonova.com –  Qual a diferença entre eutanásia e suicídio assistido? As pessoas confundem esses dois termos?

Pe. Anísio – Existe muita confusão. A eutanásia, na verdade, seria uma atitude direta, ou seja, dar um medicamente para que a pessoa morra mais rápido. É como o que o Dr. Morte fazia, ele fazia um procedimento que iria levar a pessoa à morte num período curto de tempo. O suicídio assistido seria o paciente desejar morrer e tomar algumas atitudes, como não comer, não beber, não tomar os remédios. A pessoa que cuida estaria vendo essa atitude, porém não tomaria nenhuma decisão, ficaria omisso diante de uma atitude que o próprio paciente está fazendo. Isso é considerado ético? Você não está provocando diretamente, você está assistindo o processo do morrer, é uma questão bastante complexa, porque quando a pessoa não quer viver, muitas vezes ela praticamente se entrega, talvez não tomando uma atitude direta, mas interiormente vai se desligando e se deprimindo e com isso acaba morrendo. Eu não sei se, concretamente, a pessoa que a assiste tem alguma coisa a fazer nesse sentido. Então eu acho que não dá pra saber se realmente é uma atitude ética aí nessa questão.

noticias.cancaonova.com – A explicação para a eutanásia acaba sendo o fim do sofrimento do paciente. Dessa forma, a morte acaba sendo encarada como uma solução. Esse entendimento que se tem da morte condiz com o significado cristão da morte?

Pe. Anísio – Para muitos realmente é a explicação. Agora se nós partirmos do princípio cristão, a morte pode ser uma solução de um problema, pode solucionar o problema do sofrimento. Esse entendimento está certo? Se nós recordarmos o próprio Papa João Paulo II, ele pediu para não ser levado para o hospital nos últimos momentos, porque ele queria morrer em casa. Aí nós podemos entender isso como uma eutanásia, uma abreviação da vida? Do ponto de vista cristão, e nisso a Igreja é até um pouco avançada, ela diz que, mesmo que a pessoa tenha todos os recursos, quando os recursos que serão usados trarão mais sofrimentos do que benefícios, você deveria deixar a pessoa, ou seja, quando os recursos tecnológicos trouxerem mais malefícios, mais sofrimento do que benefício, então isso seria correto.

noticias.cancaonova.com – A ética utiliza um termo técnico que é o chamado princípio do “duplo efeito”, em que a pessoa, movida por uma única intenção, pode ter um efeito desejado e um para-efeito indesejado. É o caso, por exemplo, em que se ministra uma alta dose de medicamento visando sanar o sofrimento do paciente, mas isso pode acabar causando a morte da pessoa. Isso é aceito pela Igreja? Como distinguir esse princípio do duplo efeito da eutanásia?

Pe. Anísio – Essa é uma questão muito complicada, porque a primeira intenção daquele que coloca em prática o princípio do duplo efeito é não provocar a morte, mas sim proporcionar um bem estar para aquele que sofre. Porém o primeiro efeito é inseparável do segundo. Ou seja, vai-se aplicar um medicamento para aliviar a dor e sofrimento, mas ao mesmo tempo ele pode antecipar um pouco a morte, porém, na visão cristã, com essa atitude não se está querendo abreviar a vida. Este é o princípio que está sendo levado adiante: não fazer o mal. Mas ao tentar fazer o bem, você pode causar um certo mal, mas nesse caso seria o que a gente chama de um cuidado paliativo, a pessoa não vai agir diretamente, mas sim de acordo com aquilo que é possível. Mas é uma questão muito complicada, porque você pode mascarar uma realidade.

noticias.cancaonova.com –  O senhor, como atual capelão do Hospital das Clínicas de São Paulo, lida diretamente com doentes e também com suas famílias. Que conselho o senhor daria para que pessoas que enfrentam enfermidades possam lidar melhor com a situação, em especial no caso de doenças terminais?

Pe. Anísio – Isto é uma coisa importante. Nesse ano em que a Campanha da Fraternidade fala sobre saúde, tem uma parte em que ela fala “aprender o bem morrer”. O que nós precisamos entender é que a morte faz parte da vida. O meu pai, por exemplo, morreu fora do hospital, longe das tecnologias e eu achei isso muito bom, porque na verdade o que se prolonga não é a vida, mas sim o sofrimento da pessoa. Sempre que eu tenho a oportunidade de conversar com as famílias, eu digo que a melhor coisa é fazer com que a pessoa possa morrer perto daqueles que são importantes para ela. É claro que há esperança, mas em meio à esperança há sofrimento, eu sempre enfatizo muito isso para as famílias. Eu acho que nós precisamos entender que o morrer faz parte do processo natural da vida e nós temos que dar o direito para que a pessoa possa morrer, mesmo quando se trata daquele que amamos, deixar as pessoas dizerem adeus. Muitas pessoas me perguntam: “padre, mas será que é a hora do meu pai morrer, da minha mãe morrer?”. Para nós que amamos as pessoas nunca é hora. Nós precisamos aprender a arte do “bem morrer”. Nós fomos preparados e esperados para nascer e eu acho que nós precisamos aprender também a arte de “bem morrer”.

 

Fonte: Canção Nova

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